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Autora: Fabiana Andrade
Psicóloga Clínica
João ontem chegou à nossa sessão com os ombros descaídos, um olhar vazio, e uma tristeza que se fazia sentir em toda a sala. Trabalho com ele há um ano, e tem sido uma dura viagem no sentido de encontrarmos alguma paz e aceitação de si mesmo enquanto homem e homossexual.
Na primeira sessão disse-me algo que nunca esqueci: “sinto-me como uma bactéria, como um germe que pode contaminar as pessoas à minha volta. Sinto-me assim e acho que é assim que os outros olham para mim”. Esta ideia fez-me reflectir sobre como será ser homossexual numa sociedade regida pela heterossexualidade. A partir daqui, passei a estar mais atenta a todas as mensagens óbvias e subtis que nos são transmitidas diariamente apelando à valorização desta mesma heterossexualidade. São muitas!
Vários estudos científicos mostram que a juventude lésbica, gay, bissexual e transgénera tem taxas elevadas de risco de depressão, baixa auto estima, abuso de substâncias, auto-mutilação e tentativas de suicídio. Em grande parte, isso deve-se à discriminação e ao preconceito com que estas pessoas são confrontadas no seu dia-a-dia. Além disso, também existem dados que comprovam que de todas as minorias sociais, os LGBT são as maiores vítimas do preconceito, mais do que qualquer outro grupo minoritário. A discriminação é social, profissional, religiosa e jurídica, atingindo todas as dimensões da vida do indivíduo.
Na língua portuguesa são empregados mais de setenta sinónimos populares para designar pejorativamente o homossexual masculino, e mais de vinte para designar homossexuais femininos. Este é um claro indicativo de que a nossa cultura ainda está fechada para a aceitação da homossexualidade e as consequências deste comportamento discriminatório podem ser trágicas para estas pessoas e suas famílias, por vezes terminando mesmo na morte do indivíduo.
Viver numa sociedade que os vê como diferentes, ameaçadores ou maus, pode criar nos homossexuais um olhar para si mesmo como um “bicho mau” (homofobia internalizada). Isso faz com que muitos homossexuais sofram com a imensa dificuldade da não-aceitação de si, escondendo-se do mundo à sua volta, vivendo as próprias experiências de uma forma mutilada e restritiva, diminuindo a sua própria identidade.
O bullying LGBT (discrimina e ataca pessoas homossexuais, bissexuais e transgéneras) pode ser considerado o apogeu desta discriminação. É um conjunto de comportamentos e atitudes agressivas, repetitivas e intencionais. Causam dor, angústia, danos físicos, isolamento, sofrimento e trauma nas suas vítimas. O bullying homofóbico ou LGBT é uma variante do bullying em geral, pois tem na sua raiz o próprio facto da vítima ser LGBT. Visto que esta população já sofre mais do que qualquer outra com a discriminação, o bullying vem agravar ainda mais um cenário já muito doloroso para estas pessoas.
O João é uma destas vítimas e tem no seu passado muitas histórias onde foi atacado, humilhado e agredido na própria escola que frequentava. Estes episódios ampliaram o medo já existente de assumir a sua orientação sexual para os pais e para os que o rodeiam. Vive uma vida cheia de restrições, mentiras e medos que deixam marcas profundas de dor. São essas feridas que teremos de sarar ao longo do nosso processo terapêutico. Espero poder acompanhá-lo até um “sítio” mais pacífico, onde ele possa assumir e aceitar quem é de forma livre e autêntica para si mesmo e para os outros.
Sabemos que é uma tendência do ser humano reagir com medo a tudo o que seja diferente ou desconhecido para si. Este medo está na origem de vários comportamentos agressivos e preconceituosos. Vários autores referem que na Grécia antiga não existia o conceito de homossexualidade, o sexo e o prazer era experienciado por homens e mulheres e o género não era factor determinante na escolha de parceiros. A vida sexual era regida apenas pelo princípio do prazer e do desprazer.
O movimento de patologização do comportamento homossexual e a respectiva construção de uma “categoria” homossexual surge no séc. XIX. A partir do momento em que esta “categoria” é vista como diferente de uma maioria, passa também a ser vista como estranha e por isso uma ameaça. Surge então como resposta a agressividade, o preconceito que são antes de mais nada movimentos de medo e ignorância.
Visto que a homossexualidade não é uma opção (o termo “opção sexual” não faz sentido), o que fazer quando nascemos numa sociedade que nos olha como ameaça e nos tenta constantemente excluir por algo sobre o qual não temos qualquer escolha?!
A informação tem um papel fundamental quer para os próprios indivíduos que lidam com esta questão quer para a sociedade que lida com o medo e discriminação da diferença.
Uma das informações mais relevantes e que todos devemos ter completamente interiorizada é a de que a homossexualidade não é uma doença. Deixou de ser considerada desta forma em 1973 pela Organização Mundial de Saúde, por isso, não pode ser encarada como algo que se deve resolver ou mudar.
Olhar para a nossa própria individualidade, para tudo aquilo que nos torna diferentes de todos à nossa volta, também nos faz aproximar do outro enquanto ser diferente e ao mesmo tempo igual a nós no sentido de sermos humanos. A dificuldade de lidarmos com o que não conhecemos e/ou rejeitamos em nós mesmos, facilita a rejeição do outro. Fazer psicoterapia é uma das formas de encontrarmos o que é único em nós e lidar com estas dimensões com amor e aceitação, fazendo com que possamos olhar para os outros da mesma forma, como um ser humano único, igual e diferente de nós ao mesmo tempo.
João está nesta fase, a viver o chamado “processo de coming out” que é o processo de admissão da sua verdadeira orientação sexual para si mesmo e também a revelação desta orientação para o meio social onde se encontra. É um processo gradual e individual e por vezes pode ser muito violento, causando sentimentos de medo, insegurança e sofrimento. Quanto maior é a aceitação da homossexualidade no meio em que a pessoa vive, mais fácil é a passagem por este processo. Todos nós temos um papel importante nesta facilitação, assumindo diariamente uma postura mais aberta e aceitante de tudo o que é diferente em cada pessoa. Neste caso, o trabalho de informação e de apoio da própria família é um factor determinante no sucesso que ela vai ter na gestão desta situação.
A família e a escola têm um papel fundamental na mudança do olhar sobre os homossexuais, e se nestes dois contextos, a aceitação for efectiva, a prevenção das situações de risco será muito mais eficaz.
Sendo a escola um lugar privilegiado de construção de identidades, também é caracterizada pela diversidade e pelas diferenças. Na maioria dos casos, é lá que os homossexuais começam a ser vítimas de bullying e comportamentos discriminatórios, por vezes por parte dos próprios professores. Prevenir o bullying LGBT é imperativo no sentido de reduzir as disparidades de saúde entre jovens LGBT.
Jovens que foram vítimas na escola por causa da sua identidade LGBT apresentam mais problemas de saúde e adaptação do que alunos com baixos níveis de vitimização. O bullying sofrido na escola muitas vezes diminui a potencialidade destas pessoas se tornarem mais tarde adultos saudáveis e produtivos. Assim, esta prática prejudica a sociedade de forma geral e aumenta exponencialmente os custos de saúde pública a longo prazo. Estamos todos a pagar um preço alto pela nossa própria atitude discriminatória.
Pais e professores são agentes privilegiados de mediação e combate desta prática e as campanhas de informação são imprescindíveis para que estas pessoas adquiram as ferramentas necessárias para despistar os seus próprios comportamentos homofóbicos e desta forma detectar os sinais destes mesmos comportamentos nos grupos de jovens.
Dicas para lidar com a discriminação e o bullying LGBT:
- se for vítima deste tipo de situação, não se esconda e não se cale, procure imediatamente ajuda. Mesmo que ainda não tenha assumido a sua orientação sexual perante amigos e família, procure ajuda junto das autoridades ou de uma pessoa em quem confie. Ligue para o número de apoio às vítimas de bullying - 808968888
- se observar alguém a ser vítima de bullying, informe imediatamente professores e/ou responsáveis pela escola
- assuma uma atitude de abertura perante tudo o que é diferente, é mais divertido e traz muitas surpresas positivas
- lembre-se diariamente que tudo o que acontece na vida dos outros também pode acontecer na sua própria vida ou na vida de alguém que goste
- informe-se! Há muita informação disponível na internet e nas associações de apoio às populações LGBT
- passe a palavra e seja um agente activo na promoção de comportamentos de inclusão, não espere que os outros o façam!
- se detectar sinais de isolamento, depressão, comportamentos de riscos em colegas da escola, alerte os professores
- caso esteja a sentir em si estes sinais de tristeza constante, isolamento, vergonha, baixa no rendimento escolar, procure a ajuda de um terapeuta. Não perca mais nenhum minuto da sua felicidade!
Links úteis:
http://www.portalbullying.com.pt/
http://www.rea.pt/observatorio.html
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