Em entrevista ao Observatório da Educação, o pesquisador Marcelo Daniliauskas, doutorando da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo na temática educação, políticas públicas e questões LGBT, fala sobre o projeto de lei que institui o novo Plano Nacional de Educação e as políticas de combate à homofobia nas escolas.
Observatório da Educação – Como avalia as emendas ao projeto de lei que institui o novo Plano Nacional de Educação (PNE) relativas ao tema da homofobia?
Marcelo Daniliauskas – Essas estratégias entrarem como aditivas é uma questão, porque havia várias deliberações sobre diversidade na Conae, procedentes das conferências, e as resoluções não foram incorporadas pelo governo federal na elaboração do projeto de lei. Fez debate, chamou as pessoas e não incorpora as resoluções? Isso já é uma questão. De um processo democrático saíram resoluções em que consta uma série de questões e um texto do governo não contempla isso de forma razoável. Tem um problema aí.
Mas o bacana das emendas é que são abrangentes. A relativa à meta 14 incorpora formação inicial dos profissionais de educação. Hoje há programas de educação continuada, mas num plano de dez anos é bacana prever formação inicial, senão só remedia problemas. É uma grande vantagem, começa a resolver na origem. Mas o texto poderia ir além, dizendo que deveria envolver diversos níveis na educação, que não são citados. Poderia ser mais específico, e trabalhar combate à discriminação em todos os níveis de ensino.
Observatório da Educação – A meta 8, para a qual há uma emenda, trata da elevação da escolaridade e redução da desigualdade educacional. Qual é a relação entre escolaridade, evasão e homofobia, e qual é a importância de se desenvolver programas sobre isso?
Daniliauskas – Temos avançado na universalização do número de vagas nas escolas, mas um desafio que vem desde os governos anteriores é buscar universalização com qualidade. A homofobia afeta os pilares do que se propõe como política pública de educação: acesso, permanência e qualidade. Com a universalização do número de vagas, há olhar mais atento para pessoa que ainda está fora ou que acaba saindo da escola. Porque ainda tem gente fora da escola, isso traz visão para outros mecanismos de exclusão. Em relação à homofobia, é muito frequente escolas rechaçarem as alunas travestis: falam que não tem vaga. Há problemas no próprio acesso. Acompanhei jovem que teve de circular em várias escolas para conseguir vaga, e necessitou da intervenção de uma ONG para conseguir. Quando a escola percebe que aluno tem alguma característica que destoa, quando tem identidade de gênero que não a hétero, rechaça.
Outra questão é a permanência. Há o tempo inteiro discriminação, o que leva a dificuldades grandes de permanência, pela inferiorização social constante. Alunos e alunas apanham, são xingados, e isso afeta também a qualidade do ensino. Ainda que permaneça na escola, será em que condições? Pode assistir aula com tranquilidade?
Quando há agressões, a punição não é a mesma para quem agride homossexual em relação a quem agride uma menina hétero, por exemplo. Há certos tipos de discriminação mais toleráveis, que não é considerada problema tão sério. Então, é importante combater a discriminação por questão de acesso, permanência, e qualidade.
Observatório da Educação – Quais são os principais desafios para a superação do preconceito e da homofobia no ambiente escolar?
Daniliauskas – Uma questão pouco explorada é a de princípios mesmo, de valores, olhar crítico. A escola é lugar onde se deveria aprender e exercitar a cidadania. Discute-se pouco sobre questões de cidadania e do exercício da cidadania. É importante saber das desigualdades, sobre grupos discriminados, saber direitos, questões como a união estável. Isso deveria estar na agenda da escola, faz parte da cidadania, a diversidade é pouco abordada pela escola na perspectiva da cidadania. A Secad [Secretaria de Diversidade do MEC] está preocupada, mas é pouco comum no cotidiano escolar, muito pouco trabalhado.
Por isso, além de entrar na lei essas questões, é preciso observar como se converter em prática e trabalhar nas redes. Seria importante especificar responsabilidades dos entes federados, dos sistemas de ensino. Isso diz respeito a todos os níveis de educação. Tem que pensar também nos currículos, em espécie de Parâmetros Curriculares Nacionais sobre diversidade, os atuais não contemplam essa questão. Em relação ao PNE, é preciso pensar em mecanismos para que metas se tornem realidade e não fiquem no âmbito do documento. O MEC pode induzir, atrair para essa questão com recursos, indicadores, para que haja adesão de quem não é sensível à temática. Seria legal algum tipo de programa e incentivo nesse sentido.
Observatório da Educação – Gostaria de acrescentar mais alguma questão?
Daniliauskas – O que chama a atenção, quando se fala em homofobia nas escolas, é que se pensa muito nos alunos, mas é bacana pensar em como afeta a vida de professores, professoras e funcionários. O público LGBT está em todas as partes. Pouco se pensa que tipo de problema professor enfrenta sendo LGBT. Essa curva não acontece só com alunos, mas com professores também, com profissionais, que acabam sendo reiteradamente desqualificados por conta de ser LGBT. Não se escuta professor em conselhos, salas de aula, por esse motivo. O tema da diversidade sexual é mais tabu, mas se escola é espaço de discussão, qualquer tema deve ser debatido, é ignorância pensar que na escola não se pode discutir, assim ela se isenta de qualificar o debate.
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